segunda-feira, 26 de julho de 2010

o relato de uma despedida à meia-noite.

— Fiquei feliz que você veio — ele sussurrou docemente em seu ouvido. Aquela troca de calor durava muito mais que o necessário e, assim, transparecia perfeitamente o medo sentido por ambos. Medo de se perderem um do outro, medo do abraço acabar. Medo de acordar daquilo tudo e perceber que os sorrisos, as canções, as caminhadas, as chuvas, os ônibus, os braços dados, as esperas, as piadas, os surtos de imaginação fértil, a sintonia rara vivida por eles não tivera sido real. E aquele abraço era uma forma de pedir, de implorar: “Fica. Você é a prova de que tudo aconteceu.”.

­­­­Pela última vez, ela estava lá, em frente àquele portão de vidro de um prédio verde. Prédio que ficava naquela rua cujo nome, diversas vezes, ela já havia escrito à mão. Tão familiar quanto poderia ser, aquele endereço. Mas pouco familiares, aquelas pessoas. Novos atores num antigo palco, era o que eles todos representavam dentro dela. E mesmo estes observavam a cena como uma platéia diante de um espetáculo no fim da temporada. Ela não queria solta-lo. Nunca mais.

Então, um pedido. Dessa vez, falado.

— Me leva na rodoviária de manhã — ela quase implora, com voz angustiada. Máscara para o que realmente queria ser dito, é claro. “Quando me veres partir, me impeça. Quero ficar.”.

— Sim, claro. — ele disse, aliviado. “Não queria que acabasse agora, mesmo”.

Foi então que a carona chegou. Mais despedidas tristes, enfim. “Um dia a gente se vê” era o dito pelos abraços. O coração dela batia depressa. “Não quero ir, quero ficar com você” ela teimava em lhe dizer pelo olhar, por cima do ombro de cada um enquanto os abraços iam sendo dados. Ele não respondia. Não queria responder.

Era mais de meia-noite. Começou a chover forte e todos correram pro carro. Apenas dois ficaram. Ela correu, ele ficou. Ela olhava através da água que escorria pelo vidro traseiro. Ao lado dele estava o fantasminha camarada, o mais carismático, que sorria pra ela enquanto esperava cada uma das pessoas entrar no carro. Entrava um de cada vez, assim como entraram no coração dela. Um extraterrestre, um felino, uma irrelevante. Mas ele, o que primeiro entrou, o que primeiro ficou, o que mais marcou, tinha que ficar longe. E, por isso, ele evitava a despedida.

Foi então que o trecho de uma música veio à mente.

— Espere! Esqueci uma coisa! — ela exclamou, pouco antes de decidirem partir. Foi quando tirou da bolsa um bloco de papéis amassados e uma caneta. —Chama ele, pede pra escrever qualquer coisa — ela pediu à única irrelevante que conhecera. O fantasminha veio ao carro, sob chuva, após receber um chamado improvisado da janela do motorista.

— Ela pediu pra escrever qualquer coisa! — gritou a irrelevante por cima do vidro. Deu o bloco de papéis a ele que, depois de correr para um lugar coberto e seco com o bloco sob a blusa, escreveu uma pequena mensagem sincera. Foi quando ele passou os papéis e a caneta a ele. O mesmo que fugia da separação. “Escreve qualquer coisa” ela ouviu, através do vidro, o fantasminha dizer. Ele olhou para o bloco, encostou na parede e escreveu.

“I know you’re leaving in the morning when you wake up, leave me with some kind of proof it’s not a dream” era o que a música dizia. E, apesar de ser ela quem partia, era o que o coração dela cantava. “Uma prova de que não é um sonho” ela pensou, enquanto ele devolveu o papel ao fantasminha. Correu na chuva, entregou, voltou, sorriu, despediu. E ele apenas olhava, como quem quer prender com os olhos.

O carro deu partida. Sumiram na curva. Ela sorria com os papéis em mãos. Sentiu vontade de ter dito o que sentia no ouvido dele quando se abraçaram, mas chegou à conclusão de que não era necessário. Ele sabia. A visita era prova suficiente. E, ao terminar de ler o escrito naquele papel parcamente umidecido pela chuva, ela entendeu que era recíproco. E ele lhe dissera isso à sua maneira.

“Fiquei bem feliz que você veio” eram as palavras ali registradas. E, principalmente, ali sentidas.

Um comentário:

  1. Eu até comecei a ler, mas preferi parar por que eu estou numa área onde é constrangedor chorar! ¬¬
    IUAHSUIAHSUI

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