segunda-feira, 14 de junho de 2010

LvB


Eu toquei. E era como se ele tivesse se aproveitado do meu corpo pra reviver o que há muito não sentia: a música em suas mãos. Num instante, todo dedo, todo toque que antes pertencia a mim passou a ser instrumento dele. E foi então que eu entendi o que ele dizia com aquele código de linhas e desenhos, de pentagramas, claves e colcheias.
As mãos conversavam. No começo falavam com as mesmas palavras com a mesma intensidade e ao mesmo tempo. Era um uníssono de intenções. Ao mesmo tempo em que uma perguntava, a outra respondia. Não havia espera, não havia pausa entre elas, pois eram tão unidas, tão semelhantes que uma já sabia exatamente o que a outra iria perguntar. Eram vozes espelhadas. Soava um romance.
De repente, uma começou a falar primeiro que a outra. E diferente. As palavras ainda eram as mesmas, só que o tratamento mudou. Stacatto e Legato. Em tempos alternados. Quem via de fora realmente acreditava que estavam se desentendendo, se repelindo. Que o fato de uma falar firme e secamente enquanto a outra, atrasada, falava suave e delicadamente era a prova de que ali havia uma discussão. Soava uma briga.
Mas não. Não havia discussão alguma. Era apenas uma mudança de ponto de vista que, para sua completa compreensão, exigia um ouvido um pouco mais atento. Menos acostumado, mais flexível. Foi então que me dei conta de que era essa a intenção dele: mostrar que, aquilo que parece errado para quem ouve, na verdade é o certo para quem escuta.
Naquele dia, ao senti-lo em meu corpo, em minha alma, tive certeza de que escutei o mesmo que ele. Beethoven me usou pra voltar à música através de meus dedos. E eu o usei para voltar à música através de seu ouvido.



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